O antigo engenheiro da NASA e especialista em cloud da Google, Taranis, publicou um artigo a criticar severamente a ideia de construir centros de dados no espaço, classificando-a como “uma ideia completamente irrealista e péssima”. Como especialista com doutoramento em eletrónica espacial e uma década de experiência na Google, ele desmonta as falhas fatais deste conceito sob quatro perspetivas: fornecimento de energia, arrefecimento, resistência à radiação e comunicações.
Contexto do especialista da NASA e lições da experiência dos astronautas da ISS
(Fonte: Boeing)
Para clarificar as credenciais, o autor do artigo é um ex-engenheiro e cientista da NASA, com doutoramento em eletrónica espacial. Trabalhou também durante 10 anos na Google, em várias divisões da empresa, incluindo o YouTube e a equipa responsável pela implementação de capacidade de computação de IA na cloud. Esta combinação de experiência em engenharia espacial e computação em nuvem coloca-o numa posição privilegiada para comentar este tema.
Logo no início do artigo, afirma: “Isto é absolutamente uma má ideia, simplesmente não faz sentido.” As razões são diversas, mas para resumir, o equipamento eletrónico necessário para operar um centro de dados — especialmente os centros de dados que disponibilizam capacidade de computação de IA através de GPU e TPU — não é de todo adequado para funcionar no espaço. Se nunca trabalhou nesta área, ele alerta os leitores para não assumirem nada por intuição, pois a realidade de operar hardware espacial no espaço nem sempre é óbvia.
Este aviso resulta da sua experiência prática na NASA. O ambiente espacial representa um desafio para o equipamento eletrónico muito além do que o comum dos mortais imagina; até os astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS) têm de lidar com dificuldades técnicas inexistentes na Terra. Cada sistema a bordo da ISS é criteriosamente desenhado para resistir ao vácuo, radiação e extremos térmicos, o que implica frequentemente compromissos de desempenho e custos elevados.
Fornecimento de energia: Painéis solares do tamanho da ISS só alimentam 200 GPUs
Um dos principais argumentos para construir centros de dados no espaço parece ser o suposto acesso abundante a energia. Mas o engenheiro da NASA contrapõe: isso não corresponde à realidade. Basicamente, existem duas opções: energia solar e energia nuclear. Energia solar implica a instalação de grandes painéis solares com células fotovoltaicas, que funcionam, mas não são milagrosamente mais eficientes do que os painéis na Terra. A energia perdida ao atravessar a atmosfera não é assim tanta, por isso a intuição sobre a área necessária está correta.
O maior conjunto de painéis solares alguma vez instalado no espaço é o da ISS, fornecendo pouco mais de 200kW em pico. A instalação deste sistema exigiu várias missões dos vaivéns espaciais e muito trabalho de astronautas; tem uma área de cerca de 2.500 metros quadrados, mais de metade de um campo de futebol americano.
Com base no NVIDIA H200, cada GPU consome cerca de 0,7kW por chip. Estes não podem operar isoladamente e a conversão de energia não é 100% eficiente, pelo que 1kW por GPU será uma estimativa mais realista. Assim, um conjunto gigantesco de painéis do tamanho da ISS conseguiria alimentar cerca de 200 GPUs.
Comparativo das necessidades energéticas
Painéis solares da ISS: 200kW de potência máxima, 2.500 m² de área
Cada GPU H200: 1kW de consumo real
Número de GPUs alimentadas por um sistema do tamanho da ISS: cerca de 200 (equivalente a 3 racks terrestres)
Plano do centro de dados da OpenAI na Noruega: 100.000 GPUs
Para alcançar a capacidade da OpenAI, seria necessário lançar 500 satélites do tamanho da ISS. Em comparação, um único rack de servidores acomoda 72 GPUs, ou seja, cada satélite gigante equivale apenas a cerca de três racks. Energia nuclear também não resolve: um gerador termoelétrico de radioisótopos (RTG) típico fornece entre 50W e 150W — insuficiente até para uma única GPU.
Pesadelo do arrefecimento: o vácuo elimina a refrigeração por convecção
Muitos reagem a este conceito pensando: “O espaço é frio, por isso arrefecer deve ser fácil, certo?” A resposta do engenheiro da NASA: “Uh… não… de todo.”
Na Terra, o arrefecimento é relativamente simples. A convecção do ar funciona bem, permitindo que o calor seja dissipado eficientemente através de dissipadores. Para densidades de potência mais elevadas, utiliza-se refrigeração líquida para transferir o calor dos chips para dissipadores maiores noutro local. No espaço, não existe ar. O ambiente é quase vácuo absoluto; a convecção não ocorre.
O espaço propriamente dito não tem temperatura — apenas a matéria tem. No sistema Terra-Lua, a temperatura média de quase tudo é semelhante à da Terra. Se um satélite não rodar, o lado oposto ao Sol arrefece gradualmente até cerca de 4 Kelvin, pouco acima do zero absoluto, enquanto o lado exposto ao Sol pode atingir centenas de graus Celsius. A gestão térmica exige um desenho muito cuidadoso.
O autor já projetou sistemas de câmaras para voar no espaço, colocando a gestão térmica no centro do processo. Projetou o sistema para consumir no máximo 1 watt em pico, descendo para cerca de 10% quando inativa. Toda a energia elétrica torna-se calor, que tem de ser transferido aparafusando as bordas das placas de circuito ao chassis.
Arrefecer mesmo uma única H200 seria um inferno absoluto. Dissipadores e ventoinhas não funcionam, e mesmo as versões com refrigeração líquida precisam de transferir o calor para um radiador, que depois o emite por radiação para o espaço. O Sistema de Controlo Térmico Ativo (ATCS) da ISS usa um circuito de amoníaco e radiadores gigantes, com limite de dissipação de 16kW — cerca de 16 GPUs H200, pouco mais de um quarto de um rack terrestre. O radiador tem 13,6m x 3,12m, cerca de 42,5 m².
Se apontarmos para 200kW, seria preciso um sistema 12,5 vezes maior — cerca de 531 m², ou 2,6 vezes a área dos painéis solares. Isto resultaria num satélite muito maior do que a ISS, e mesmo assim só corresponderia a três racks de servidores na Terra.
Ameaça da radiação: chips GPU expostos a raios cósmicos como astronautas sem proteção
(Fonte: Wikipédia)
Aqui entramos no domínio do doutoramento do autor. Mesmo assumindo que conseguimos alimentar e arrefecer o hardware no espaço, permanece o problema da resistência à radiação. No espaço há duas fontes principais de radiação: o Sol e o espaço profundo. Isto envolve partículas carregadas a grande percentagem da velocidade da luz, desde eletrões a núcleos atómicos, que ao colidirem com o material dos chips causam danos diretos.
A consequência mais comum é o Single Event Upset (SEU), quando uma partícula atravessa um transistor, provocando um impulso elétrico acidental. Se isso inverter um bit, temos um SEU. Pior ainda é o Single Event Latchup, quando o impulso faz subir a tensão de alimentação do chip, podendo criar um caminho de corrente permanente entre linhas que não deviam estar ligadas, destruindo irreversivelmente o chip.
Em missões de longa duração, há ainda que considerar o efeito de dose total — ao longo do tempo, o desempenho do chip degrada-se à medida que impactos repetidos tornam os transístores mais lentos. Isto resulta numa redução progressiva da frequência de operação máxima e aumento do consumo energético.
GPUs, TPUs e a RAM de elevada largura de banda de que dependem são o pior cenário possível para resistência à radiação. Transístores pequenos são especialmente vulneráveis a SEUs e latchups. Chips concebidos para operar no espaço usam arquiteturas de transístor diferentes e geometrias maiores; tipicamente, um processador espacial tem desempenho semelhante a um PowerPC de 2005. Fabricar GPUs ou TPUs com esta abordagem é possível, mas o desempenho seria apenas uma fração ínfima dos chips atuais terrestres.
Gargalo das comunicações e conclusão
A maioria dos satélites comunica com a Terra por rádio, sendo difícil obter velocidades superiores a 1Gbps de forma fiável. Em comparação, uma ligação rack-a-rack de 100Gbps na Terra é considerada de gama baixa, o que mostra a diferença abismal. O engenheiro da NASA conclui: “Se realmente quiser fazer isto, é tecnicamente possível, mas será extremamente difícil de implementar, com custos desproporcionais face a centros de dados terrestres, e no máximo oferecerá um desempenho medíocre. Para mim, isto é uma ideia catastrófica.”
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Ex-cientista da NASA desmente Musk! Construir centros de dados no espaço é ainda mais absurdo do que missões tripuladas
O antigo engenheiro da NASA e especialista em cloud da Google, Taranis, publicou um artigo a criticar severamente a ideia de construir centros de dados no espaço, classificando-a como “uma ideia completamente irrealista e péssima”. Como especialista com doutoramento em eletrónica espacial e uma década de experiência na Google, ele desmonta as falhas fatais deste conceito sob quatro perspetivas: fornecimento de energia, arrefecimento, resistência à radiação e comunicações.
Contexto do especialista da NASA e lições da experiência dos astronautas da ISS
(Fonte: Boeing)
Para clarificar as credenciais, o autor do artigo é um ex-engenheiro e cientista da NASA, com doutoramento em eletrónica espacial. Trabalhou também durante 10 anos na Google, em várias divisões da empresa, incluindo o YouTube e a equipa responsável pela implementação de capacidade de computação de IA na cloud. Esta combinação de experiência em engenharia espacial e computação em nuvem coloca-o numa posição privilegiada para comentar este tema.
Logo no início do artigo, afirma: “Isto é absolutamente uma má ideia, simplesmente não faz sentido.” As razões são diversas, mas para resumir, o equipamento eletrónico necessário para operar um centro de dados — especialmente os centros de dados que disponibilizam capacidade de computação de IA através de GPU e TPU — não é de todo adequado para funcionar no espaço. Se nunca trabalhou nesta área, ele alerta os leitores para não assumirem nada por intuição, pois a realidade de operar hardware espacial no espaço nem sempre é óbvia.
Este aviso resulta da sua experiência prática na NASA. O ambiente espacial representa um desafio para o equipamento eletrónico muito além do que o comum dos mortais imagina; até os astronautas na Estação Espacial Internacional (ISS) têm de lidar com dificuldades técnicas inexistentes na Terra. Cada sistema a bordo da ISS é criteriosamente desenhado para resistir ao vácuo, radiação e extremos térmicos, o que implica frequentemente compromissos de desempenho e custos elevados.
Fornecimento de energia: Painéis solares do tamanho da ISS só alimentam 200 GPUs
Um dos principais argumentos para construir centros de dados no espaço parece ser o suposto acesso abundante a energia. Mas o engenheiro da NASA contrapõe: isso não corresponde à realidade. Basicamente, existem duas opções: energia solar e energia nuclear. Energia solar implica a instalação de grandes painéis solares com células fotovoltaicas, que funcionam, mas não são milagrosamente mais eficientes do que os painéis na Terra. A energia perdida ao atravessar a atmosfera não é assim tanta, por isso a intuição sobre a área necessária está correta.
O maior conjunto de painéis solares alguma vez instalado no espaço é o da ISS, fornecendo pouco mais de 200kW em pico. A instalação deste sistema exigiu várias missões dos vaivéns espaciais e muito trabalho de astronautas; tem uma área de cerca de 2.500 metros quadrados, mais de metade de um campo de futebol americano.
Com base no NVIDIA H200, cada GPU consome cerca de 0,7kW por chip. Estes não podem operar isoladamente e a conversão de energia não é 100% eficiente, pelo que 1kW por GPU será uma estimativa mais realista. Assim, um conjunto gigantesco de painéis do tamanho da ISS conseguiria alimentar cerca de 200 GPUs.
Comparativo das necessidades energéticas
Painéis solares da ISS: 200kW de potência máxima, 2.500 m² de área
Cada GPU H200: 1kW de consumo real
Número de GPUs alimentadas por um sistema do tamanho da ISS: cerca de 200 (equivalente a 3 racks terrestres)
Plano do centro de dados da OpenAI na Noruega: 100.000 GPUs
Para alcançar a capacidade da OpenAI, seria necessário lançar 500 satélites do tamanho da ISS. Em comparação, um único rack de servidores acomoda 72 GPUs, ou seja, cada satélite gigante equivale apenas a cerca de três racks. Energia nuclear também não resolve: um gerador termoelétrico de radioisótopos (RTG) típico fornece entre 50W e 150W — insuficiente até para uma única GPU.
Pesadelo do arrefecimento: o vácuo elimina a refrigeração por convecção
Muitos reagem a este conceito pensando: “O espaço é frio, por isso arrefecer deve ser fácil, certo?” A resposta do engenheiro da NASA: “Uh… não… de todo.”
Na Terra, o arrefecimento é relativamente simples. A convecção do ar funciona bem, permitindo que o calor seja dissipado eficientemente através de dissipadores. Para densidades de potência mais elevadas, utiliza-se refrigeração líquida para transferir o calor dos chips para dissipadores maiores noutro local. No espaço, não existe ar. O ambiente é quase vácuo absoluto; a convecção não ocorre.
O espaço propriamente dito não tem temperatura — apenas a matéria tem. No sistema Terra-Lua, a temperatura média de quase tudo é semelhante à da Terra. Se um satélite não rodar, o lado oposto ao Sol arrefece gradualmente até cerca de 4 Kelvin, pouco acima do zero absoluto, enquanto o lado exposto ao Sol pode atingir centenas de graus Celsius. A gestão térmica exige um desenho muito cuidadoso.
O autor já projetou sistemas de câmaras para voar no espaço, colocando a gestão térmica no centro do processo. Projetou o sistema para consumir no máximo 1 watt em pico, descendo para cerca de 10% quando inativa. Toda a energia elétrica torna-se calor, que tem de ser transferido aparafusando as bordas das placas de circuito ao chassis.
Arrefecer mesmo uma única H200 seria um inferno absoluto. Dissipadores e ventoinhas não funcionam, e mesmo as versões com refrigeração líquida precisam de transferir o calor para um radiador, que depois o emite por radiação para o espaço. O Sistema de Controlo Térmico Ativo (ATCS) da ISS usa um circuito de amoníaco e radiadores gigantes, com limite de dissipação de 16kW — cerca de 16 GPUs H200, pouco mais de um quarto de um rack terrestre. O radiador tem 13,6m x 3,12m, cerca de 42,5 m².
Se apontarmos para 200kW, seria preciso um sistema 12,5 vezes maior — cerca de 531 m², ou 2,6 vezes a área dos painéis solares. Isto resultaria num satélite muito maior do que a ISS, e mesmo assim só corresponderia a três racks de servidores na Terra.
Ameaça da radiação: chips GPU expostos a raios cósmicos como astronautas sem proteção
(Fonte: Wikipédia)
Aqui entramos no domínio do doutoramento do autor. Mesmo assumindo que conseguimos alimentar e arrefecer o hardware no espaço, permanece o problema da resistência à radiação. No espaço há duas fontes principais de radiação: o Sol e o espaço profundo. Isto envolve partículas carregadas a grande percentagem da velocidade da luz, desde eletrões a núcleos atómicos, que ao colidirem com o material dos chips causam danos diretos.
A consequência mais comum é o Single Event Upset (SEU), quando uma partícula atravessa um transistor, provocando um impulso elétrico acidental. Se isso inverter um bit, temos um SEU. Pior ainda é o Single Event Latchup, quando o impulso faz subir a tensão de alimentação do chip, podendo criar um caminho de corrente permanente entre linhas que não deviam estar ligadas, destruindo irreversivelmente o chip.
Em missões de longa duração, há ainda que considerar o efeito de dose total — ao longo do tempo, o desempenho do chip degrada-se à medida que impactos repetidos tornam os transístores mais lentos. Isto resulta numa redução progressiva da frequência de operação máxima e aumento do consumo energético.
GPUs, TPUs e a RAM de elevada largura de banda de que dependem são o pior cenário possível para resistência à radiação. Transístores pequenos são especialmente vulneráveis a SEUs e latchups. Chips concebidos para operar no espaço usam arquiteturas de transístor diferentes e geometrias maiores; tipicamente, um processador espacial tem desempenho semelhante a um PowerPC de 2005. Fabricar GPUs ou TPUs com esta abordagem é possível, mas o desempenho seria apenas uma fração ínfima dos chips atuais terrestres.
Gargalo das comunicações e conclusão
A maioria dos satélites comunica com a Terra por rádio, sendo difícil obter velocidades superiores a 1Gbps de forma fiável. Em comparação, uma ligação rack-a-rack de 100Gbps na Terra é considerada de gama baixa, o que mostra a diferença abismal. O engenheiro da NASA conclui: “Se realmente quiser fazer isto, é tecnicamente possível, mas será extremamente difícil de implementar, com custos desproporcionais face a centros de dados terrestres, e no máximo oferecerá um desempenho medíocre. Para mim, isto é uma ideia catastrófica.”