Doze minutos a norte do Aeroporto Changi, em Singapura, encontra-se um dos cofres privados mais seguros do mundo—o Le Freeport—no limite da pista.
Com um investimento de cerca de 100 milhões de dólares de Singapura, este espaço é frequentemente chamado de “Fort Knox asiático”. Sem janelas, mantém todo o ano uma temperatura constante de 21°C e humidade de 55%—condições ideais para guardar arte valiosa.
Por detrás de portas de aço fortificadas, acumulam-se centenas de milhões em ouro, prata e obras raras. Estes ativos não exigem declarações aduaneiras nem pagamento de impostos.
Há três anos, Jihan Wu, dos mais jovens cripto-bilionários asiáticos e fundador da Bitdeer, comprou o cofre por 40 milhões de dólares de Singapura (cerca de 210 milhões RMB), embora se dissesse que a construção teria custado até 100 milhões de dólares de Singapura.

A Bloomberg confirmou o negócio, identificando a Bitdeer, liderada por Wu, como compradora. Na altura, parte da comunidade cripto ironizou o negócio como “desvio lateral”—porque adquirir um cofre off-chain e não investir na mineração de Bitcoin?
Contudo, com o ouro acima dos 4 000 $ por onça em 2025, a compra revelou-se visionária, não uma distração.
A aquisição do Le Freeport nunca foi apenas sobre betão e aço. Esta fortaleza foi desenhada de raíz como enclave aduaneiro para indivíduos e instituições de ultra-alto património: segurança máxima, espaço de exposição discreto e vias para contornar várias camadas de taxas.
Este movimento revela uma verdade central: os milionários chineses do Bitcoin têm há muito o olhar posto no mais antigo ativo refúgio—o ouro.
O Le Freeport abriu oficialmente em Singapura em maio de 2010. Essencial à infraestrutura, ergue-se ao lado do aeroporto, com corredores internos quase a tocar a pista. Bastam minutos para transferir valores do avião ao cofre.
A estratégia de Singapura reflete-se na estrutura acionista: o National Heritage Board e o National Arts Council fizeram parte dos fundadores do Le Freeport.
Singapura evoluía de “porto comercial” para “porto de ativos”. O Le Freeport integrou a Global Arts and Wealth Management Center Initiative e beneficiou do Zero GST Warehouse Scheme, tornando-se um dos poucos cofres no mundo com isenção fiscal, estatuto aduaneiro e liquidação transfronteiriça.
Estas políticas atraíram rapidamente a atenção de elites e instituições globais. O espaço comporta grandes ativos físicos, aceita proprietários internacionais e não impõe processos de imigração nem taxas aduaneiras.
Por exemplo, guardar um Picasso de 50 milhões $ no Le Freeport, com taxas entre 10%–30%, pode significar poupar dezenas de milhões em impostos.
Como o Le Freeport nunca revelou imagens do interior, só há vislumbres através de fotos do vizinho The Reserve, um cofre recém-inaugurado.

O Le Freeport teve inquilinos institucionais de referência: JPMorgan (um dos maiores negociadores de ouro do mundo), a CFASS da Christie’s, UBS, Deutsche Bank e outras potências financeiras internacionais. Grandes volumes de barras de ouro circularam por ali para trânsito e armazenamento internacional.
À medida que alguns países apertaram a regulação de bens de luxo e ativos offshore, estas instituições foram saindo, deixando o Le Freeport em prejuízo crónico.
Em 2017, o Le Freeport foi classificado como “ativo problemático” e colocado à venda. Só cinco anos depois Wu surgiria como comprador.
Nessa altura, o mercado cripto atravessava um inverno autêntico: a queda da stablecoin algorítmica LUNA abalou o crédito on-chain, a Three Arrows Capital entrou em falência, Celsius e BlockFi colapsaram, e uma onda de desalavancagem culminou na queda da FTX—expondo por completo o risco de contraparte.
Nesse contexto, Jihan Wu, empresário cripto chinês, comprou através da Bitdeer este “presente envenenado” por cerca de 40 milhões de dólares de Singapura (aprox. 210 milhões RMB).
Wu co-fundou a Bitmain, o maior fabricante mundial de rigs de mineração, controlando cerca de 75% do hashrate global de Bitcoin e desempenhando papel central no ciclo anterior. Depois de separar a Bitdeer, deixou a Bitmain, tornou-se residente permanente em Singapura e centrou-se na infraestrutura e computação da Bitdeer.
Wu raramente comentou a aquisição, tendo apenas confirmado à Bloomberg.
Hoje, o site do Le Freeport esclarece: é mais do que um cofre—é uma experiência privada e exclusiva.
Enquanto investidores cripto passam a vida a proteger chaves privadas, a verdadeira fortuna está há muito nos cofres de Singapura—seja em documentos de trust familiar, seja em frases mnemónicas gravadas em aço.
Não só bilionários chineses, mas também novos ricos da Índia e Sudeste Asiático aderem discretamente à clientela de Wu no Le Freeport.
O Le Freeport nunca divulgou a lista de clientes, mas os registos de leilões internacionais dão pistas: muitas obras são colocadas “diretamente em armazenamento” após a venda, sem voltar ao mercado.
Padrão idêntico surge em todo o Sudeste Asiático, onde bilionários transferem parte da liquidez diretamente para o Le Freeport: barras de ouro e prata, alta joalharia, Patek Philippes de edição restrita, carros clássicos e obras raras seguem do trading floor para este armazém reservado.
Para potenciais membros do cofre entre os leitores, eis o funcionamento da custódia de ouro.
Guardas armados controlam o acesso. Visitantes passam por verificações online de antecedentes com passaporte, para excluir indivíduos de risco. Para entrar no núcleo do cofre, é preciso ultrapassar cinco níveis de segurança: verificação de identidade, biometria, portas blindadas e rastreio de objetos pessoais. Mais de cem câmaras HD asseguram vigilância contínua sem pontos cegos. Some-se a dificuldade física—barras de prata de 30 kg, barras de ouro de 12,5 kg—e mesmo que intrusos consigam entrar, praticamente nada conseguem deslocar.

Enquanto o público discute se “o ouro ainda pode valorizar”, os verdadeiros insiders planeiam já quantas caixas de Romanée-Conti de 150 000 $ armazenar ou que estantes usar para Picassos e Rembrandts—para que as esposas possam fotografar e catalogar.
O trabalhador comum termina com um fundo de pensões; os ultra-ricos asiáticos acabam atrás destas paredes sem janelas em Singapura.
Naturalmente, o espaço físico é apenas parte da equação. Para dominar a cadeia de ouro, é preciso ir à origem.
Enquanto clientes comuns fazem fila por descontos, famílias antigas e elites do blockchain disputam toneladas—quem manda no mercado?
Em maio, a fintech Antalpha submeteu o prospeto de IPO à Nasdaq. O documento mencionava a Bitmain, co-fundada por Jihan Wu.
O prospeto refere: “Somos o parceiro financeiro principal da Bitmain.” Ambas assinaram acordo para manter cooperação e referência de clientes.

A Antalpha forneceu antes crédito de cadeia de fornecimento e financiamento a clientes da Bitmain, líder mundial de rigs de mineração—um legado da era Wu.
Hoje, com Wu afastado, a Bitmain é liderada por outro cofundador—o cripto-bilionário Micree Zhan, natural de Fujian.
Muitas regiões chinesas veneram o ouro, mas os fujianeses têm ligação especial: Chen Jinghe, de Longyan, fez da Zijin Mining um gigante global; Zhou Zongwen, de Fuqing, fundou a Chow Tai Seng em Shuibei, entrando no top 3 das joalharias chinesas; ourives de Putian passaram de artesãos itinerantes a dominar metade do retalho e grosso do ouro chinês.
Com minas, lojas e magnatas de ouro originários de Fujian, pode dizer-se que ali o ouro corre no sangue.
É evidente que a linhagem de Micree Zhan despertou—como perderiam os fujianeses o ouro do blockchain?

Agora, Zhan mira a Tether, maior emissor de stablecoin e também um dos 30 maiores compradores de ouro do mundo—um novo “gigante do ouro on-chain”.
Em outubro, a Tether anunciou parceria com a Antalpha para criar uma “Tokenized Gold Treasury”, visando captar 200 milhões $. O sistema utiliza tokens XAU₮ lastreados em ouro, criando um ecossistema de crédito digital garantido por ouro.
A divisão de tarefas é tipicamente fujianesa: a Tether emite tokens lastreados em ouro físico e armazena reservas em cofres privados suíços. A Antalpha transforma tokens em instrumentos financeiros—desenha estruturas de colateral e produtos de crédito, constrói redes de cofres de ouro em Singapura, Dubai e Londres—para que “ouro on-chain” se troque por barras físicas instantaneamente.
Em síntese, é a reinvenção do padrão-ouro: a Tether como casa da moeda, a Antalpha como banqueiro, mas agora com a história centrada em cofres suíços e não em Bretton Woods.
Fontes públicas apontam que a Tether detém cerca de 80 toneladas de ouro em cofres suíços—equivalente a reservas de alguns países pequenos. Mas, alegando “segurança”, a Tether recusa-se a divulgar moradas dos cofres.

Ao contrário dos bancos centrais que “trancam ouro em caves por décadas”, o XAU₮ é tokenizado, on-chain, rastreável, divisível, negociável e pode ser dado em garantia. O ouro, antes imóvel, é agora “liquidez dinâmica”—circula, é dado em penhor e até negociado em bloco a instituições.
A Aurelion, subsidiária da Antalpha, investiu 134 milhões $ para adquirir XAU₮ diretamente, visando ser a “primeira tesouraria cotada com ouro on-chain como reserva”. Troca-se o modelo antigo de “encher cofres suíços de barras” por “listar XAU₮ no balanço público”.
O CEO da Tether, Paolo Ardoino, resumiu: “Ouro e Bitcoin são os extremos da mesma lógica—um é o refúgio mais antigo, o outro o mais moderno.”
O preço do ouro confirma esta tese: o investimento global subiu mais de 50% este ano, e o XAU₮ duplicou em capitalização. Pela primeira vez, investidores prudentes e arriscados alinham estratégias.
Fazem então a pergunta crucial: pode o mais antigo refúgio de riqueza renascer na blockchain?
Em outubro de 2025, o ouro ultrapassou os 4 000 $ por onça, atingindo máximos e ganhos anuais acima de 50%—um dos melhores ativos do mundo.
À superfície, outro “bull market” do ouro. Mas, por baixo, três forças alteravam o poder no mercado do ouro.
Primeiro: bancos centrais. Nos últimos anos, “compraram na baixa”, usando o ouro como base da desdolarização e proteção contra sanções. Pouco lhes importa a volatilidade; apenas se questionam se, em crise, o ouro troca por alimentos, armas ou alianças.
Depois, a elite ultra-rica da Ásia. Capitais de China, Hong Kong, Médio Oriente e Sudeste Asiático concentram novas “paredes de ouro” em cofres de Singapura, caves suíças e trusts familiares.
Já não chegam uns quilos de “ouro em papel” no banco; compram paredes inteiras. Uns depositam dinheiro em bancos singapurenses, outros barras diretamente em cofres—cada método oferece segurança distinta.
A compra do Le Freeport por Jihan Wu é elo chave: da mineração de Bitcoin à custódia do ouro e arte de terceiros, passando do “rendimento on-chain” à “segurança off-chain”.
Terceira força: a nova elite cripto. Micree Zhan, Antalpha e Tether jogam diferente—Wu compra paredes do cofre; eles compram linhas digitais no registo—XAU₮.
Neste sistema, a Tether emite tokens garantidos por ouro físico e guarda-os em cofres suíços; a Antalpha transforma esses tokens em ativos, integrando-os em balanços de empresas e colaterais de clientes.
O ouro vê o seu papel reescrito: para bancos centrais, “colateral último”; para os ricos da Ásia, “cold wallet familiar” para herança; para a elite cripto, sistema financeiro concebido para empilhar estruturas e captar prémios de liquidez e spreads.
Para a maioria, ouro é só um gráfico e um peso. Para estes três grupos, é o grande livro dos clãs, soberania e segurança nacional.
A narrativa muda, mas o ativo subjacente é antigo. Qualquer que seja a história, o capital é impiedoso: quando a cortina cai e as luzes acendem, só querem uma segurança que lhes garanta o sono.





